Neoplasias Mieloproliferativas

Policitemia vera

 

A policitemia vera (PV) é uma neoplasia mieloproliferativa caracterizada pela superprodução autônoma de glóbulos vermelhos e que se manifesta clinicamente por hemoglobina e hematócrito elevados, com ou sem leucócitos elevados e/ou alteração da contagem de plaquetas. A PV pode evoluir para mielofibrose ou leucemia mieloide aguda (LMA).

Os sintomas mais proeminentes da PV estão relacionados ao aumento da viscosidade do sangue e podem incluir trombose venosa ou arterial (por exemplo, trombose venosa profunda, infarto ou isquemia do miocárdio, acidente vascular cerebral), prurido, eritromelalgia (ou seja, dor em queimação nas mãos ou pés), pletora facial, distúrbio visual e/ou cefaleia. Outros pacientes são detectados por anormalidades laboratoriais isoladas. 

A avaliação de suspeita de PV inclui uma história de eventos tromboembólicos ou cardiovasculares, sintomas constitucionais (febre, sudorese e perda de peso), prurido, eritromelalgia, fatores de risco cardiovascular, plenitude abdominal e exames solicitados onde se detectam esplenomegalia, trombose ou hematomas.

Os estudos laboratoriais incluem hemograma completo com contagem diferencial, sangue periférico, teste para JAK2 V617F no sangue, eritropoietina sérica e exame da medula óssea. 

Deve-se  suspeitar de PV em um paciente com hemoglobina e hematócrito aumentados com saturação arterial de oxigênio adequada, especialmente se acompanhada de eventos tromboembólicos, esplenomegalia ou sintomas constitucionais.

O diagnóstico de PV requer todos os três critérios maiores ou os dois primeiros critérios maiores mais o critério menor: 

Os critérios maiores são aumento da massa de hemácias – hemoglobina elevada (>18,5 g/dL em homens ou >16,5 g/dL em mulheres) ou hematócrito elevado (49% em homens, >48% em mulheres), biópsia de medula óssea com hipercelularidade ajustada à idade com panmielose (ou seja, aumento do crescimento eritróide, granulocítico e megacariocítico) e megacariócitos maduros pleomórficos e aumento da fibrose e mutação JAK2 – mutação JAK2 V617F ou exon 12. O critério menor é a EPO sérica subnormal.

A PV deve ser diferenciada de policitemia relativa devido à contração do volume intravascular, policitemia secundária por hipóxia e/ou EPO elevada devido às doenças cardiovasculares, pulmonares, doenças renais, tumores produtores de EPO, trombocitemia essencial, leucemia mieloide crônica e mielofibrose primária.

Os objetivos do atendimento ao paciente com PV são reduzir o risco de trombose, aliviar os sintomas e minimizar a evolução para mielofibrose pós-PV e leucemia mieloide aguda (LMA). A flebotomia é a base do manejo da massa de glóbulos vermelhos na PV. A meta de tratamento para todos os pacientes com PV é a manutenção do hematócrito <45%, em vez de níveis mais altos. Para todos os pacientes, exceto aqueles com contraindicação (por exemplo, doença de von Willebrand adquirida), é indicada aspirina em baixa dose.

Trombocitemia Essencial

 

A trombocitemia essencial (TE) é uma neoplasia mieloproliferativa incomum caracterizada por produção clonal excessiva de plaquetas com tendência à trombose e hemorragia. A TE geralmente se apresenta em adultos de meia-idade e idosos. 

Aproximadamente 90% dos casos tem uma mutação driver adquirida somaticamente em JAK2, CALR ou MPL. Essas mutações resultam na regulação positiva dos genes alvo JAK-STAT, demonstrando a importância central desta via na patogênese da TE. 

Até metade dos pacientes com TE são descobertos acidentalmente quando a trombocitose é observada em um hemograma completo. Outros apresentam sintomas relacionados à doença (por exemplo, dor de cabeça, tontura, alterações visuais) ou complicações (por exemplo, trombose, sangramento, perda fetal no primeiro trimestre).

A TE deve ser suspeitada em pacientes com trombocitose persistente inexplicável e é avaliado conforme o tempo da doença, revisão de sangue periférico e exame de medula óssea com teste molecular (para confirmar um distúrbio clonal e excluir leucemia mieloide crônica e outras neoplasias mieloproliferativas). 

O diagnóstico de TE é feito em um paciente que atende a todos os quatro critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) que são contagem de plaquetas ≥450.000/microL, biópsia de medula óssea mostrando proliferação principalmente da linhagem de megacariócitos com números aumentados de megacariócitos maduros e aumentados com núcleos hiperlobulados, exclusão de outras condições, como leucemia mieloide crônica (LMC) positiva para BCR-ABL, policitemia vera (PV), mielofibrose primária (MFP), síndromes mielodisplásicas (SMD) ou outra neoplasia mieloide, e por fim, demonstração de uma mutação JAK2, CALR ou MPL ou demonstração de outro marcador clonal (mutação ASXL1, EZH2, TET2, IDH1/IDH2, SRSF2 ou SR3B1) ou nenhuma causa identificável de trombocitose reacional (por exemplo, infecção, inflamação, anemia ferropriva)

A trombocitose reativa é muito mais comum que a TE e pode estar relacionada a diversas condições médicas e cirúrgicas. Ao contrário da TE, a trombocitose reativa não é clonal. A TE também deve ser diferenciada de outras causas de trombocitose clonal, incluindo leucemia mieloide crônica, policitemia vera, síndrome mielodisplásica e diferentes formas de trombocitemia familiar.

Todos os pacientes devem ser orientados para parar de fumar, controlar o peso e modificar outros fatores de risco cardiovascular.Para os pacientes com história de trombose venosa ou arterial ou doença de von Willebrand adquirida é recomendado o tratamento com um agente citorredutor. A preferência é pela hidroxiureia, em vez de anagrelida.

Mielofibrose primária

 

A mielofibrose primária (MFP) é uma neoplasia mieloproliferativa incomum que geralmente se apresenta em adultos de meia-idade e idosos. 

A MFP é uma doença clonal caracterizada por mieloproliferação na medula óssea, hiperplasia megacariocitária atípica e fibrose da medula óssea, resultando em hematopoiese medular prejudicada e hematopoiese extramedular aumentada com esplenomegalia acentuada e sangue periférico leucoeritroblástico. 

Deve-se suspeitar de PMF em um paciente que apresente esplenomegalia juntamente com precursores de granulócitos (mielocitos, metamielocitos e blastos), hemácias nucleadas e hemácias em forma de lágrima no sangue periférico. 

A avaliação de um paciente com suspeita de MFP inclui revisão do sangue periférico e aspirado e biópsia da medula óssea com teste molecular para confirmar uma doença clonal e descartar leucemia mieloide crônica (LMC) e outras neoplasias mieloproliferativas . 

O diagnóstico de PMF é feito em pacientes que atendem a todos os quatro critérios a seguir: presença de proliferação de megacariócitos e atipia no exame da medula óssea, geralmente acompanhada de reticulina e/ou fibrose de colágeno, critérios para policitemia vera (PV), LMC, síndrome mielodisplásica (SMD) ou outra neoplasia mieloide não atendidas, demonstração de um marcador clonal (por exemplo, mutação JAK2, CALR ou MPL), e pelo menos um dos seguintes critérios menores como leucocitose ≥11.000/mm3, esplenomegalia palpável, anemia não atribuível a outra condição, aumento do nível sérico de lactato desidrogenase e leucoeritroblastose.

A OMS subclassifica os pacientes com MFP em aqueles com MFP evidente e aqueles com MFP pré-fibróticos com base no grau de fibrose. A MFP deve ser diferenciada de casos raros de mielofibrose aguda e de outras causas de mielofibrose crônica.

A escolha do tratamento para o alívio dos sintomas é influenciada pela gravidade dos sintomas, comorbidades, outros medicamentos e a contagem de plaquetas. Os inibidores de quinase como ruxolitinibe, fedratinibe e pacritinibe devem ser usados com cautela em pacientes com disfunção hepática ou renal.  A hidroxiureia, esplenectomia ou irradiação esplênica são outras opções.